sábado, 10 de dezembro de 2011

Resgate 2




AS PESSOAS TORNAN-SE VELHAS, QUANDO ABANDONAM SEUS IDEAIS.
O PASSAR DOS ANOS ENRUGA O ROSTO; PERDER O ENTUSIASMO ENRUGA A ALMA.





                   Hoje serei obrigado a desabafar para vocês.

         De madrugada por volta das 4 da manhã, saímos de Artur Nogueira em direção a Barretos para fazer o resgate de um rapaz de lá.

                   Já comentei com vocês que eu odeio fazer isso, mas o menino que trabalha no escritório disse que de vez em quando  até ele tem que ir, quanto mais eu, que sou o enfermeiro.

                   Não gosto de fazer essas viagens porque em primeiro lugar eu sou um bundão, e se a pessoa quiser reagir ela não vai ter problemas porque eu solto ela rapidinho kkkk Sou avesso à violência. Sem contar que eu não gosto de viajar com gente que corre muito e não precisa nem falar que o motorista aqui acha que o carro é avião. Pela primeira vez eu andei a 180 Km/h e posso dizer que eu não estou conseguindo nem digitar o texto direito de tão tenso que eu fiquei. Estou todo dolorido.

                   Pedi para que ele viesse mais devagar e felizmente ele me ouviu e veio a 140 Km/h  kkk Dou risada  para eu mesmo não chorar de nervoso.

          Já fiquei sabendo de casos de resgate que a pessoa ficou violenta, quebrou o vidro do carro, se debateu tanto que até a agulha quebrou ao dar a injeção para acalmá-la. Eu não me identifico com esse tipo de abordagem. Na minha clínica eu vou contratar de preferência um Enfermeiro que seja "brutamontes" e que faça esse serviço para mim. kkk

          Normalmente se faz o resgate com mais três guarda roupas kkk, mas mesmo assim fui daqui até lá orando para que nada acontecesse e Deus ouviu o meu clamor e o rapaz quis dar uma de valente no início, mas depois tomou o remédio pela boca e nem precisei dar injeção e ele dormiu o caminho todo.

                   Estou bem triste com essa remoção e terei que trabalhar muito esse sentimento com minha terapeuta, já que não posso ficar mal, como eu estou, a cada resgate que eu for fazer.

                   Ao chegar lá eu vi o alívio da mãe e ao mesmo tempo a preocupação de saber como nós o iriamos pegar-lo?  se não ia machucar? se não tinha perigo? etc. Já até queria saber o dia da visita

MÃE É MÃE.

                   Relatou que ele estava roubando até roupa usada do varal para vender e que ela não aguentava mais aquela situação e foi nessa hora que me deu um aperto no coração e imaginei o quanto meus pais não passaram pela mesma situação de querer me ajudar e não saber como. Felizmente eu nunca precisei roubar no que diz respeito ao aspécto financeiro, mas roubei algo muito mais valioso que foi a paz deles.

                   A irmã dele estava aliviada também e disse que finalmente ela dormiria em paz e queria que ele ficasse aqui anos, já que essa era a sétima internação e em todas as outras não adiantou nada.

                   Fiquei meio sem saber o que falar e o melhor que fiz foi ouvir o desabafo das duas que queriam ajuda e via em nos a solução mais rápida.

                   Ao entrarmos no quarto vi uma cena já bem conhecida. Uma pessoa largada no colchão no chão. O usuário vende até a cama. Tenho uma amiga que além da cama ela literalmente fumou o colchão ja que a espuma rendia fogo o suficiente para queimar a lata. A figura ali qualquer um conteria de tão fraco que se apresentava.

                   Ele disse bem sinceramente para nós que o que nós estávamos fazendo não tinha finalidade e que ele poderia ficar o tempo que fosse internado, mas que ao sair ele voltaria a usar o crack porque era isso que ele gostava, e que na primeira oportunidade ele iria fugir.

                   Nessa hora foi a punhalada final. Parece que passou um filme na minha cabeça.

          Quando eu morava em São Paulo eu levei um amigo que estava na Cracolândia há meses, para a minha casa, e por mais que as pessoas dissessem que eu era louco por fazer isso, eu fiz. Eu ia trabalhar e morria de medo de um dia voltar e encontrar a casa vazia. Comprei roupas. Fazia comida e tratava como se fosse um irmão. Não vou mentir não. Eu era apaixonado por ele, mas o que eu sentia era muito maior que isso. Eu o queria ver limpo, livre das drogas.

                   Passaram-se três semanas e um dia quando cheguei do trabalho ele me disse que para não me magoar e nem roubar a minha casa ele me esperou para dizer que estava indo embora. Que gostava de ter uma casa, que ele sabia que eu o amava e que ele também me amava, mas tinha um detalhe, ele amava mais ainda o crack e essa luta eu não ganharia jamais.

                   Naquela noite eu acho que foi uma das noites que eu mais sofri, porque eu acreditava que ele ia conseguir vencer o crack tendo uma casa, carinho, comida, atenção...
                  Já era noite e ele pediu para eu o levar até a cidade. Nessa época eu morava na Freguesia do Ó. Ao perguntar onde ele queria que eu o levasse ele me disse simplesmente que era para a Cracolândia e assim eu fiz. Lembro-me como se fosse agora ele indo para o meio daquele monte de “morto-vivo”.
                 Lembro-me de que muito tempo depois quando eu fui fazer um curso em São Paulo ele apareceu do nada atrás de mim na Praça da República e vi que nada tinha mudado e ele me pediu dinheiro para comprar droga. Eu simplesmente sem reação entreguei 10 reais para ele e fui embora.
                   As vezes me pergunto porque eu estou aqui e ele não? Mas só Deus poderá me responder um dia, mas se depender de minhas orações eu acredito vê-lo limpo um dia. Um dos quartos da clínica Verônica terá o nome dele.

                   Então entendi que o que o interno disse era o mesmo que o meu amigo disse naquele dia. Eles fizeram a escolha deles e eles querem ficar com o crack.

                   Acredito que Deus possa fazer algo na vida das pessoas que estão aqui, mas pegá-las a base da força é algo que terei que me acostumar.

                   Um juiz assina um papel e pronto. Acabou a sua liberdade. No mínimo ficará aqui por seis meses. Quando eu falo liberdade eu estou falando só por falar, porque quem é dependente do crack esta mais preso do eu quem esta na cadeia.

                   Era isso que eu queria falar hoje. A cada dia vejo o quanto tem de ferida ainda sem cicatrizar e o mais importante é que agora eu não estou anestesiando nada. Estou sentindo a dor e vivendo a minha visa com seus altos e baixos.

ETERNAS IMCOMPARÁVEIS 24 HORAS DE SERENIDADE E SOBRIEDADE.

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