Hoje serei obrigado a desabafar para
vocês.
De madrugada por volta das 4 da manhã,
saímos de Artur Nogueira em direção a Barretos para fazer o resgate de um rapaz
de lá.
Já comentei
com vocês que eu odeio fazer isso, mas o menino que trabalha no escritório
disse que de vez em quando até ele tem que ir, quanto mais eu, que sou o
enfermeiro.
Não
gosto de fazer essas viagens porque em primeiro lugar eu sou um bundão, e se a
pessoa quiser reagir ela não vai ter problemas porque eu solto ela rapidinho
kkkk Sou avesso à violência. Sem contar que eu não gosto de viajar com gente
que corre muito e não precisa nem falar que o motorista aqui acha que o carro é
avião. Pela primeira vez eu andei a 180 Km/h e posso dizer que eu não estou
conseguindo nem digitar o texto direito de tão tenso que eu fiquei. Estou todo dolorido.
Pedi
para que ele viesse mais devagar e felizmente ele me ouviu e veio a 140
Km/h kkk Dou risada para eu mesmo não chorar de nervoso.
Já fiquei sabendo de casos de resgate
que a pessoa ficou violenta, quebrou o vidro do carro, se debateu tanto que até
a agulha quebrou ao dar a injeção para acalmá-la. Eu não me identifico com esse
tipo de abordagem. Na minha clínica eu vou contratar de preferência um
Enfermeiro que seja "brutamontes" e que faça esse serviço para mim. kkk
Normalmente se faz o resgate com mais
três guarda roupas kkk, mas mesmo assim fui daqui até lá orando para que nada
acontecesse e Deus ouviu o meu clamor e o rapaz quis dar uma de valente no
início, mas depois tomou o remédio pela boca e nem precisei dar injeção e ele
dormiu o caminho todo.
Estou
bem triste com essa remoção e terei que trabalhar muito esse sentimento com
minha terapeuta, já que não posso ficar mal, como eu estou, a cada resgate que eu
for fazer.
Ao
chegar lá eu vi o alívio da mãe e ao mesmo tempo a preocupação de saber como
nós o iriamos pegar-lo? se não ia machucar? se não tinha perigo? etc. Já até
queria saber o dia da visita
MÃE É MÃE.
Relatou
que ele estava roubando até roupa usada do varal para vender e que ela não
aguentava mais aquela situação e foi nessa hora que me deu um aperto no coração
e imaginei o quanto meus pais não passaram pela mesma situação de querer me
ajudar e não saber como. Felizmente eu nunca precisei roubar no que diz respeito ao aspécto financeiro,
mas roubei algo muito mais valioso que foi a paz deles.
A
irmã dele estava aliviada também e disse que finalmente ela dormiria em paz e
queria que ele ficasse aqui anos, já que essa era a sétima internação e em todas as
outras não adiantou nada.
Fiquei
meio sem saber o que falar e o melhor que fiz foi ouvir o desabafo das duas que
queriam ajuda e via em nos a solução mais rápida.
Ao
entrarmos no quarto vi uma cena já bem conhecida. Uma pessoa largada no colchão
no chão. O usuário vende até a cama. Tenho uma amiga que além da cama ela literalmente fumou o colchão ja que a espuma rendia fogo o suficiente para queimar a lata. A figura ali qualquer um conteria de tão fraco que se apresentava.
Ele
disse bem sinceramente para nós que o que nós estávamos fazendo não tinha
finalidade e que ele poderia ficar o tempo que fosse internado, mas que ao sair ele voltaria
a usar o crack porque era isso que ele gostava, e que na primeira oportunidade
ele iria fugir.
Nessa
hora foi a punhalada final. Parece que passou um filme na minha cabeça.
Quando eu morava em São Paulo eu
levei um amigo que estava na Cracolândia há meses, para a minha casa, e por mais
que as pessoas dissessem que eu era louco por fazer isso, eu fiz. Eu ia
trabalhar e morria de medo de um dia voltar e
encontrar a casa vazia. Comprei roupas. Fazia comida e tratava como se fosse um
irmão. Não vou mentir não. Eu era apaixonado por ele, mas o que eu sentia era
muito maior que isso. Eu o queria ver limpo, livre das drogas.
Passaram-se
três semanas e um dia quando cheguei do trabalho ele me disse que para não me
magoar e nem roubar a minha casa ele me esperou para dizer que estava indo
embora. Que gostava de ter uma casa, que ele sabia que eu o amava e que ele
também me amava, mas tinha um detalhe, ele amava mais ainda o crack e essa luta
eu não ganharia jamais.
Naquela
noite eu acho que foi uma das noites que eu mais sofri, porque eu acreditava que
ele ia conseguir vencer o crack tendo uma casa, carinho, comida, atenção...
Já era noite e ele
pediu para eu o levar até a cidade. Nessa época eu morava na Freguesia do Ó. Ao
perguntar onde ele queria que eu o levasse ele me disse simplesmente que era
para a Cracolândia e assim eu fiz. Lembro-me como se fosse agora ele indo para
o meio daquele monte de “morto-vivo”.
Então
entendi que o que o interno disse era o mesmo que o meu amigo disse naquele
dia. Eles fizeram a escolha deles e eles querem ficar com o crack.
Acredito
que Deus possa fazer algo na vida das pessoas que estão aqui, mas pegá-las a
base da força é algo que terei que me acostumar.
Um
juiz assina um papel e pronto. Acabou a sua liberdade. No mínimo ficará aqui
por seis meses. Quando eu falo liberdade eu estou falando só por falar, porque
quem é dependente do crack esta mais preso do eu quem esta na cadeia.
Era
isso que eu queria falar hoje. A cada dia vejo o quanto tem de ferida ainda sem
cicatrizar e o mais importante é que agora eu não estou anestesiando nada.
Estou sentindo a dor e vivendo a minha visa com seus altos e baixos.
ETERNAS IMCOMPARÁVEIS
24 HORAS DE SERENIDADE E SOBRIEDADE.
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