Florzinha

MUITAS VEZES OS FRUTOS DA AMARGURA SÃO PLANTADOS COM AS SEMENTES DA IRA.

                                                  

         A semana começou a todo o vapor.

O fim de semana foi cheio de preocupações e tristezas, mas o legal de tudo isso é que o saldo foi positivo, e sempre será, porque aprendi a sempre enxergar mais coisas belas do que ruins.

         Não iria adiantar ficar reclamando a respeito do clima “péssimo” que esta entre alguns integrantes aqui do meu trabalho, então, eu agradeço pelo começo da Pós Graduação em Álcool e Droga, pelo dia maravilhoso de sol e calor que prevaleceu, pelos novos amigos do curso que eu fiz, por mais um dia limpo, pelas mensagens de meus familiares, pela melhora da minha mãe, por ter falado com a minha prima Sueli ....

         Tá vendo como se acha muito mais coisas boas do que ruins?

É só abrir os olhos e enxergá-las.

         Voltando ao segundo passo:

“Viemos acreditar que um Poder maior do que nós poderia devolver-nos a sanidade”

                   Lembro-me que quando cheguei aqui, o Poder maior do que eu, que iria me devolver a sanidade era a raiva, a vergonha, a prepotência, o ódio, e estava muito longe de ser Deus.

          Eu estava com tanta raiva que, quando o meu pai me deixou no portão da chácara eu disse num tom irônico que ele conheceria um novo Fábio quando eu saísse daqui, mas não falava isso no aspecto positivo e sim em um aspecto negativo já que eu na minha insanidade achava que a culpa de minha adicção era ter sido sempre o filho bonzinho durante todos estes 39 anos, e que este personagem precisava ser morto, já que ele só se mantinha vivo com a ajuda das drogas utilizadas durante todos esses anos.

EU SAIRIA DAQUI UM BAD BOY KKKKKK

                   Para falar a verdade eu até acredito que um dos fatores de eu ter continuado a usar drogas foi esse mesmo.

                   Eu comecei a usar drogas por curiosidade. Ninguém me influenciou. Eu trabalhava de mecânico de trem na RFFSA e vi alguns mecânicos cheirando cocaína e pedi para cheirar também. Na época eles nem queriam me deixar usar já que eu era menor de idade, mas insisti tanto que eles cederam aos meus pedidos.

                   Agora se vocês perguntarem por que eu continuei, ai já são muitos fatores, mas tentarei discorrer sobre pelo menos um.

                   Por ser homossexual, acreditava que não seria aceito pela família, amigos etc. Na época não era comum/aceitável ser gay como hoje é. Ser gay era sinal de apanhar na escola e ser excluso do grupo, então por isso, sempre tentei ser o melhor aluno, o melhor filho, o melhor mecânico, o melhor enfermeiro, só não fui a melhor pessoa para mim mesmo.

                   Apesar de odiar graxa e mecânica, fiz esse curso de mecânico de trem só para agradar meu pai e olha que eu era um “viadinho” todo cheio de delicadeza e trejeitos, nem eu sei como consegui ser o terceiro melhor da turma.

                   Uma vez, em um amigo secreto de família o meu tio me mandou um recadinho dizendo que ele iria me dar um presente muito bonito (o que eu tinha pedido) “o disco dos Carpinters”, porque ele sabia que eu não era gay e sim educado e tinha um bom gosto para a música. Hoje eu dou risada, mas na época só eu sei como era foda.

Educadinho? kkkkkkkkkkkkkkkkk

                   Mas voltando ao curso....  Os dez melhores da turma foram contratados para trabalhar em Campo Grande e foi então ai que eu consegui a “carta de alforria” e de Bauru onde morava com meus pais fui para Campo Grande ser responsável, ter a minha vida e viver longe dos olhos de meus familiares.

Pensei!!!     Agora o problema acabou.

                   Quando cheguei lá o pesadelo piorou kkkkkk

         Um mecânico de trem gay?

         Isso era algo inadmissível, então, quando eu experimentei a cocaína e me senti a “mulher maravilha” pensei que tinha encontrado a solução para todos os meus problemas.                          Durante a semana toda eu era “O MECÂNICO”, namorava e até coçava o saco e cuspia no chão, andava com o macacão imundo de graxa e para me limpar eu tomava antes um “banho” de óleo diesel para tirar o excesso de graxa e depois tomava o banho normal com água e sabão. Se na época passasse a novela fina estampa eu ia me inspirar no Pererão kkkkkkkkkkkk, mas tinha uma hora que eu não aguentava mais esse personagem e nos finais de semana lá ia o Fábio se empanturrar de droga para abastecer as baterias para mais uma semana de graxa, jogo de futebol, pagode...

                   Não quero dizer que vou sair daqui um travesti. Não é nada disso. Com o passar dos anos fui percebendo que o Fábio é só um homossexual e não precisa mudar em nada no que é.

         Não tenho nada contra as travestis, muito pelo contrário, tenho várias amigas, mas não é isso que vai deixar o Fábio feliz, não é mesmo Janaina, Keila, Sabrina, Richelli, Paloma, Bianca ...?

                   Só quero dizer que eu cansei de falar amém e ser agradável para tudo e para todos. Hoje eu estou mais light e quando não quero atender um telefone eu simplesmente não atendo. Se não quero ir para uma festa eu faço o mesmo, se não estou a fim de fazer um programa que “TODO MUNDO” quer fazer eu não faço e até se não quiser ir à minha folga na casa de meus pais eu não vou e pronto e acabou.

          Antes eu ia por obrigação e não via a hora de sair a noite para me drogar. Digamos que meu pai me ama demais e eu não sabia lidar com isso e agora eu tenho prazer de ficar com ele porque ele tem prazer de ficar com o Fábio e não com o personagem que o Fábio conviveu durante mais de 30 anos. Sei que ele ficou meio espantado dessa vez por eu não ser a vaquinha de presépio de sempre, mas com o tempo ele se acostuma.

                   Aprendi muito com a minha irmã.

         Hoje sei por que nem cerveja ela toma. ELA É AUTÊNTICA. Ela agrada a ela mesma em primeiro lugar e sendo assim ela não precisa se anestesiar durante a noite para se aguentar olhar no espelho.

                   Com o passar dos dias de internação percebi que a raiva foi se transformando em paz e eu mesmo fui me aceitando, já que ninguém falou que eu não podia ser eu mesmo. Fui eu que cheguei a esta conclusão insana e vivi um personagem movido à cocaína e nos últimos anos à crack.

                   Depois percebi que o Poder Superior passou da raiva de provar que eu ia conseguir fazer “a melhor” internação, para o amor que eu tenho pelos meus sobrinhos que hoje são as minhas pedras preciosas.

          Como pode dois seres humanos me fazer ir para a pracinha pelo menos duas vezes por dia quando estou com eles e ainda por cima gostar de verdade de ir? Kkkkk

          Saio todo orgulhoso com eles já que eles são lindos, inteligentes, educados (são a cara do tio). Tenho um pouco de influencia sobre isso já que o TITIO passou bons tempos com eles.

          Continuando, esse Poder maior foi passando pelo amor aos meus pais, e quando meu pai disse que já tinha voltado a aumentar dois furos da cinta eu fiquei mais motivado ainda, já que eu o tinha feito fazer mais 3 furos de tanto que ele emagreceu.

         Um belo dia acordei e percebi que eu estava me tratando também por mim. E não era para aquele Fábio personagem, era para o verdadeiro Fábio, e quando essa ficha caiu eu percebi que tudo isso tinha sido dado pelo Poder Superior chamado DEUS.

         Pai, mãe, família tudo isso é instrumento de Deus para me devolver a sanidade.

         Aqui na comunidade as pessoas não gostam muito quando os internos dizem que estão aqui por causa do filho, da mulher, do emprego, para não ser preso.

         Por mim tudo é válido.

         Se o filho morrer, se a mulher largar, se for mandado embora e até se for preso (afinal de contas a gente colhe o que planta), o que interessa é que existe esse tal Poder Superior atrás de tudo isso que te devolve a sanidade e esse Poder pode até ser Deus para alguns.

         Para mim é Deus e posso dizer que vale a pena.

ETERNAS IMCOMPARÁVEIS 24 HORAS DE SERENIDADE E SOBRIEDADE.