Gary - Querido companheiro

VOCÊ PODE APERTAR O PASSADO COM TANTA FORÇA CONTRA O PEITO, QUE FICA COM OS BRAÇOS CHEIOS DEMAIS PARA ABRAÇAR O PRESENTE.

Inventário do dia 8 de abril.

Para explicar o ponto positivo deste dia, eu antes, tenho que explicar que existe uma reunião pela manhã, entre as várias, que se chama espiritualidade, na qual oramos, lemos a palavra de Deus, cantamos louvores, e nesse dia eu conduzi essa reunião ministrando a Palavra.

Sai da passividade e resolvi entrar com toda a força nas reuniões e atividades.

JÁ QUE NÃO TINHA COMO FUGIR, RESOLVI PARTICIPAR.

Admiti em minhas atitudes muitos defeitos de caráter e estou tentando modificá-los.

No entanto, como aspecto negativo, eu julguei o Lê e quase 100 por cento da casa.

 Só para lembrar, eu estava na segunda semana de internação nesse dia e tudo era novo para mim.

Por eu ter uma faculdade, ter tido uma educação em casa, conhecer algumas coisas relativas ao “mundo”, eu me achava melhor que todos eles, porque eles arrotavam na mesa, “peidavam” em alto e bom som (como se isso fosse bonito).

Em contrapartida eu percebi que eu tinha defeitos muito maiores do que o deles, e o mais profundo ainda, é que talvez o que eu estava enxergando como defeito, para eles, fazia parte da cultura daquele lugar.

O estranho ali era eu. Eu era o estranho em não arrotar alto, “peidar” na sala de TV, não falar enquanto as pessoas assistiam TV, não comer de colher, não repetir a alimentação por mais de três vezes, não acender a luz do quarto depois do toque de recolher ...

 Vou falar a verdade para vocês. Nem quando eu fiquei preso, eu tive tanta dificuldade de me adaptar, já que por eu ter nível superior, eu fiquei em cela especial e as pessoas que conviviam comigo tinha o mesmo nível sócio-econômico-cultural.

Aqui eu teria que me adaptar mesmo, e percebi que eu não tinha esses “defeitos” deles, mas infelizmente, tinha defeitos muito piores como os quais me dominaram neste dia que foram a: MANIA DE GRANDEZA, PREPOTÊNCIA, ALTIVEZ, ARROGÃNCIA e muitos outros que vocês identificarão com o passar das postagens.

Consigo perceber que após 6 meses eu me transformei em uma pessoa melhor a duras penas, em cima de muito trabalho, reuniões, boa vontade ...

Um ponto que também trabalhei muito é que eu fiquei o dia todo muito irritado porque ao entrar no quarto eu vi minhas meias jogadas no chão e fiquei sabendo que quem tinha feito isso tinha sido o líder do quarto que era um dos meus melhores amigos. Eu quis morrer de catapora, mas ao invés de perguntar o que tinha acontecido eu me achei no direito de ficar com raiva. NOVAMENTE AFIRMO QUE QUEM SE PREJUDICOU FOI SOMENTE EU, A RAIVA ERA MINHA E ENQUANTO EU ME CONTAMINAVA, AS PESSOAS ESTAVAM RINDO E SE DIVERTINDO.

Ao postar esse dia, vejo o quanto eu estava sofrendo à não me render ao tratamento e a internação. Sofria sozinho querendo achar defeito nos outros e não achar os meus próprios.

Então vamos ao inventário de ontem

Admito agora que não esta nada fácil ficar internado depois de ter cumprido os 6 meses iniciais. Conciliar a “liberdade” da rua com o cumprimento das regras diárias esta sendo uma barra.

Ao olhar o quarto em que eu estou hospedado fiquei “viajando” em tudo que estou tendo que passar: ficar com pessoas que eu não conheço num quarto cheio de bolor, com um piso velho e quebrado, um guarda roupas sem portas, minhas roupas acondicionadas em uma caixa de papelão, o quarto sem iluminação natural fedendo a mofo, chulé dos outros internos.

Estou em um verdadeiro dilema. Até quando eu preciso ficar vivendo assim.

Como foi sugerido ficar mais um mês,eu vou ficar, mas parece que as mesmas dificuldades que eu tive no começo da internação estão voltando agora.

A mesma reclamação de ontem eu fiz a alguns meses atrás quando eu estava na chácara kkk, e o que eu vou fazer?

Ficarei bem quietinho e não vou potencializar os problemas como no começo e sim tentarei resolvê-los na medida do possível de maneira calma e tranquila.

Antes eu dizia para me acalmar: SÃO SÓ SEIS MESES, hoje eu posso arrumar as minhas coisas e ir embora, já que o tratamento já acabou e fico internado por sugestão e não obrigação e é por isso que esta tão difícil, mas já pensou quando eu voltar a minha vida e tiver problemas?

Aqui eu posso arrumar as coisas e ir embora. E quando eu estiver lá fora? Vou embora para onde? Então vou enfrentar de frente sem fazer tempestade em copo de água e no momento certo, Deus me mostrará o que tenho que fazer.

Como nem tudo é só tristeza, pela manhã eu sai com um amigo meu e fui até o Posto de Saúde para acompanhá-lo e aproveitamos para tomar café juntos, e grande a minha surpresa quando cheguei à Casa e fui informado pelo dono que infelizmente não poderei ter computador comigo, e se passar na admissão do curso de Pós Graduação, terei que ir na casa de alguém para estudar, ou em uma lanhouse, já que as aulas são virtuais kkk.

 Mas depois eu penso nisso, quem sabe até lá ele mude de idéia e autorize a permanência do computador por lá kkk

À tarde vi um grande amigo que estava internado comigo no começo da internação lá na chácara. Ele estava na rua em um estado lastimável. Parecia um mendigo, sujo, com roupas velhas e rasgadas, acompanhado de um outro ex-interno que mais parecia um monstro de tão cadavérica que estava a sua aparência.

Só para situar vocês, o esquema de internação onde estou, resume-se em ficar 5 meses em uma chácara bem longe da cidade e o último mês na casa no centro da cidade para a Ressocialização que é a fase que eu estou, ou melhor, já passei, estou fazendo hora extra kkkkkkkkkkkkkkkk

Eu fiquei tão chocado, porque ao vê-los eu lembrei-me de que à alguns meses atrás eu estava também estava na mesma situação que a deles e por amor de Deus eu tive uma família que me resgatou desse inferno e me trouxe pra luz. Como diária minha amiga Rúbia.

VEM PAR A LUZ CAROLINE

Fui até eles, e os abracei no meio da rua sem me importar se alguém da clínica iria achar que eu estava me drogando com eles, caso nos vissem juntos. A programação me sugere a evitar pessoas, lugares e situações e não para eu excluir as pessoas da minha vida. É claro que até eu explicar que focinho de porco não é tomada eu ia ter que rebolar mais que a Gretchen, mas pelo meu amigo do coração Gary, vale à pena. Também não vou ficar marcando encontros com eles é claro kkk

Daqui a alguns dias eu postarei a respeito dele e vocês verão que um dos dias que eu mais fiquei triste enquanto eu estava internado na chácara foi quando ele foi embora, e ontem foi o segundo dia mais triste, quando eu o vi naquela situação.

Conversamos por algum tempo e só deixei bem claro que independente de qualquer coisa eu o amava e esperava que ele enxergasse como eu enxerguei que aquilo não era vida para ele e para ninguém. Segui o meu caminho enquanto vi os dois indo para algum lugar comprar mais droga para acabar com suas vidas.

Mudando de assunto,

Falei com minha psicóloga e pedi a ajuda dela para entrar contato com uma clínica de uma pessoa super respeitada por aqui, Alexandre Castanheira, e quem sabe eu consiga um estágio.

Então por hoje, vou ficando por aqui deixando registrada a comparação do meu dia atual com o tempo do início de minha internação. Algumas coisas se repetem, mas em muitas outras, percebo a melhora em meus comportamentos. Só por hoje eu continuarei bem quietinho e bem internadinho.

Amanhã tem mais

INFINITAS BOAS 24 HORAS